Habeas corpus – Habeas mens: a micropolítica das associações canábicas
DOI:
https://doi.org/10.26694/rer.v6i2.5754Palavras-chave:
Cannabis, Associações cannabicas, Cannabis medicinal, Relação médico-pacienteResumo
A criação de associações canábicas vem se disseminando pelo Brasil como a principal estratégia dos usuários/pacientes para conseguirem ampliar o acesso ao uso terapêutico de cannabis medicinal, atualmente um produto caro e restrito nos moldes da legislação brasileira. O pertencimento a um coletivo social que tem no uso, no autocultivo, no estudo da cannabis e no compartilhamento de experiências a sua razão de ser, é um dispositivo que amplia o acesso para o uso terapêutico desta planta, constrói mecanismos para a busca da legalização destas práticas e transforma os velhos estigmas estabelecidos sobre uso de cannabis. No entanto, a construção de uma outra subjetividade para o uso de cannabis, diferente da dicotomia crime x uso farmacêutico-medicinal, parece ser imprescindível para compreender a sua ação como cultura criadora de formas de existência singulares e potentes. Neste estudo qualitativo, se configura uma pesquisa cartográfica a partir das relações de um médico-pesquisador-usuário e consultor em cannabis, que atende pacientes inseridos em uma rede associativa canábica em Minas Gerais e no Piauí. Este estudo procura, nestes encontros com cultivadores/pacientes/usuários/médicos/advogados/ativistas, compreender como este movimento micropolítico, constituído pelas redes associativas de cannabis, opera nas transformações das subjetividades criadas em torno do uso desta planta. O estudo evidencia alguns dispositivos que este movimento produz para transformar a percepção negativa do uso da cannabis, indo em direção à construção de territórios existenciais vitalizantes, fugindo da dicotomia restritiva uso medicinal ou recreativo.
Referências
ABRAHAO, A.; MERHY, E.; CHAGAS, M.; GOMES, M.; SILVA, E.; VIANNA, L. O pesquisador in-mundo e o processo de produção de outras formas de investigação em saúde. Lugar Comum (UFRJ), n. 39, p. 133-144, 2013.
AGAMBEN, G. Qu'est-ce qu'un dispositif ? São Paulo: Ed Rivages Poche, 2007.
BLACK, N.; STOCKINGS, E.; CAMPBELL, G.; TRAN, L.; ZAGIG, D.; HALL, W.;FARRELL, M.; DEGENHARDT, L. Cannabinoids for the treatment of mental disorders and symptoms of mental disorders: a systematic review and meta-analysis. The Lancet Psychiatry, v. 6, n. 112, p. 995-1010, 2019.
CARLINI, E. The history of marihuana in Brazil. J. Bras. Psiquiatr., v. 55, n. 4, p. 314- 317, 2006.
CARNEIRO, H. Proibição da Maconha: racismo e violência no Brasil. Cahiers des Amériques Latines, n. 92, p. 135-152, 2019.
CHAPKINS, W., WEBB, R. Dying to get high: marijuana as medicine. Nova Iorque: NYU Press, 2008.
DE CARCER, G., A. Global cannabis repport: growth and trends throught 2025. New Frontier Data. Washington, 2021. Disponível em: https://f.hubspotusercontent10.net/hubfs/3324860/Reports/NFD-GlobalCannabisReport.pdf. Acesso em: 10 abr. 2021.
DELEUZE, G. Qu’est-ce qu’un dispositif? In: Michel Foucault philosophe. Rencontre Internationale. Paris: Seuil, 1989.
DELEUZE, G.; GUATTARI, F. Mil platôs: Capitalismo e Esquizofrenia, v. 2. 34ª ed. Rio de Janeiro: Letras, 1995.
FANKHAUSER, M. History of cannabis in western medicine. In: GROTENHERM, F., RUSSO, E. Cannabis and Cannabinoids: Pharmacology, toxicology and therapeutic potential. New York: Ed Haworth, 2002. p. 37-51.
GUATTARI F. Caosmose: um novo paradigma estético. São Paulo. Ed 34, 1992.
GUATTARI F.; ROLNIK, S. Micropolítica: Cartografias do desejo. Petrópolis: Ed Vozes, 1996.
HENMAN, A. R. A guerra às drogas é uma guerra etnocida. In: MACRAE, E.; ALVES, W. C. (Org.). Fumo de Angola. Salvador: EdUFBA, 2016. p. 319-343.
HILL, K. Medical Marijuana for Treatment of Chronic Pain and Other Medical and Psychiatric Problems: A Clinical Review. JAMA, v. 313, n. 24, p. 2474–2483, 2015.
IANNACONE, G.; ABBATE, A.; KEEN, L.; PORTO, I. Cannabis medical and recreational use: science beyond ethical and political issues. Minerva Cardiol Angiol., v. 69, n. 4, p. 475-476, 2021.
IVERSEN, L. Drogas. Porto Alegre: Ed L&PM, 2012.
KAHAN, M. SHRIVASTAVA, S., SPITHOF, E., BROMLEY, L. Prescribing smoked
cannabis for chronic noncancer pain. Can Fam Physician, v. 60, n.12, p. 1083–1090, 2014.
KSIR, C.; HART, C. Cannabis and Psychosis: a critical overview of the relationship. Curr Psychiatry Rep., v. 2, n. 12, p. 1-11, 2016.
LEWIS, M.; RUSSO, E.; SMITH, K. Pharmacological Foundations Cannabis Chemovars. Planta Med., v. 84, n. 4, .p 225-233, 2018.
LO, J.; HEDGES, J.; GIRARDI, G. Impact of cannabinoids on pregnancy, reproductive health, and offspring outcomes. Am J Obstet Gynecol, v. 227, n.4, p. 571–581, 2022.
MACRAE, E. Canabis, racismo, resistência cultural e espiritualidade. In: MACREA, E.; ALVES, W.C. (Org.). Fumo de Angola: canabis, racismo, resistência cultural e espiritualidade. Salvador: EdUFBA, 2016. p. 23-58.
MECHOULAN, R.; PETERS, M.; MURILLO-RODRIGUEZ, E.; HANUS, L. Canabidiol-recent advances. Chem Biodivers, v. 8, n. 8, p. 1678-1692, 2007.
MERHY, E. O conhecer militante do sujeito implicado: o desafio de reconhecê-lo como saber válido. In: FRANCO, T.; PERES, M. (Org.). Acolher Chapecó. Uma experiência de mudança do modelo assistencial, com base no processo de trabalho. São Paulo: Editora Hucitec, 2004. p. 21-45.
MOEBUS, R. Psico Trópicos: uso com(sagrado) de psicoativos na Amazônia Yawanawa. Belo Horizonte: Ed Asa de Papel, 2012.
MORAIS, P.; ARECO, K.; FIDALGO, T.; SILVEIRA, T. Mental health and quality of life in a population of recreative cannabis users in Brazil. J Psychiatr Res., p. 11-20, 2022.
MORRISEY, K.; Mc CANN, M.; TOMARES, N. The Global Cannabis Report: Growth & Trends Through 2025. Washington, D.C. Ed. New Frontier, 2021. Disponível em: https://f.hubspotusercontent10.net/hubfs/3324860/Reports/NFD- GlobalCannabisReport.pdf. Acesso em: 10 abr. 2023.
NIETZSCHE, F. Genealogia da Moral: uma polêmica. São Paulo: Editora Companhia das Letras, 1998.
NIETZSCHE, F. Ecce Homo: de como a gente se torna o que a gente é. Porto Alegre: Editora L&PM, 2003.
OLIVEIRA, M.; VIEIRA, M.; AKERMAN, M. O autocultivo de cannabis e a tecnologia social. Saúde Soc., São Paulo, v. 29, n. 3, p. e190856, 2020.
POLLAN, M. Como mudar sua mente: o que a nova ciência das substâncias psicodélicas pode nos ensinar sobre consciência, morte, depressão e transcendência. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2018.
PETRILLI, K.; OFORI, S.; HINES, L.; TAYLOR, G.; ADEAMS, S.; FREEMAN, T. Association of cannabis potency with mental ill health and addiction: a systematic review. Lancet Psychiatry, v. 9, n. 9, p. 736–750, 2022.
ROBINSON, R. O grande livro da cannabis: guia completo de seu uso industrial, medicinal e ambiental. Rio de Janeiro: Ed Zahar, 1999.
ROLNIK, S. Cartografia Sentimental: transformações contemporâneas do desejo. Porto Alegre: Sulina, Editora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (EdUFRGS), 2013.
RUSSO, E. Taming. THC potential cannabis synergy and phytocannabinoid-terpenoid entourage effects. Br J Pharmacol., v. 163, n. 7, p. 1344-1364, 2011.
SAAD, Luísa. Fumo de negro: a criminalização da maconha no pós-abolição. Salvador: EdUFBA, 2018.
SCHLEIDER, L.; ABUHASIRA, R.; NOVACK , V. Medical cannabis: aligning use to evidence‐based medicine approach. Br J Clin Pharmacol., v. 84, n. 11, p. 2458–2462, 2018.
SHOVER, C.; YAN, P.; JACKSON, N.; BUHR, R.; FULCHER, J.; TASHKIN, D.; BARJAKTAREVIC, I. Cannabis consumption is associated with lower COVID-19 severity among hospitalized patients: a retrospective cohort analysis. Journal of Cannabis Research, v. 4, n. 46, 2022.
SILVEIRA, N. Os inumeráveis estados do ser: catálogo da exposição. In: MELO, L. C. (Org.). Museu da Imagem do Inconsciente. Hospital Pedro II. Rio de Janeiro, 1987. s/p. Disponível em: www.ccs.saude.gov.br/saude_mental/pdf/inumeraveis_estado_ser. Acesso em: 5 abr. 2023.
SLOMP JUNIOR, H.; KULPA, S.; SEIXAS, C.; BORTOLETTO, M.; BADUY, R.;
CRUZ, K.; MERHY, E. Engravidando de outros sentidos a coordenação do cuidado em saúde. In: FEUERWERKEr, L. C.; BERTUSSI, D.; MERHY, E.(Org.). Engravidando de outros sentidos a coordenação do cuidado em saúde. Rio de Janeiro: Hexis, 2017. p. 365-379.
SPINELLA, T.; BARTHOLOMEUSZ, J.; STEWART, S.; BARRETT, S. Perceptions about THC and CBD effects among adults with and without prior cannabis experience. Addictive behaviors, v. 137, p. 107508, 2023.
SPINOZA, B. Ética. 2a ed. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2008.
SOUZA, L.; BRITO, C.; TOMASI, A. Significados e Representações do Uso Recreativo de Maconha para Mulheres. LICERE - Revista Do Programa De Pós- graduação Interdisciplinar Em Estudos Do Lazer, v. 25, n. 1, p. 248–276, 2022.
SULLIVAN, E.; AUSTRIACO, N. A virtue analysis of recreational marijuana use. The Linacre Quarterly; v. 83, n. 2, p. 158–174, 2016.
UNODC. World Drug Report 2021. Drug market trends: opioids, cannabis. United Nations Publication, 2021. Disponível em: www.unodc.org/unodc/en/data-and- analysis/wdr2021.html. Acesso em: 2 jul. 2022.
VERÍSSIMO, M. Maconheiros, fumons e growers: um estudo comparativo do consumo e do cultivo caseiro de canabis no Rio de Janeiro e em Buenos Aires. 1ª ed. Rio de Janeiro: Autografia, 2017.
VIVEIROS DE CASTRO, E. Metafísicas canibais. São Paulo: Cosac Naify, 2015.
WHITING, P.; WOLFF, R..; DESHPANDE, S.; DI NISIO, M.; DUFFY, S.; HERNANDEZ, A.; KEURENTJES, C.; LANG, S.; MISSO, K.; RYDER, S.;
SCHMIDLKOFER, S.; WESTWOOD, M.; KLEIJNEN, J. Cannabinoids for medical use: a systematic review and meta-analysis. JAMA, v. 313, n. 24, p. 2456-2473, 2015.
ZIMMER, L.; MORGAN, J. Marijuana Myths Marijuana Facts: a Review of The Scientific Evidence. Nova York: Ed Bookwolrd Services, 1997.