Festa da noiva? Conflito, gênero e parentesco numa etnografia sobre a organização de casamentos

Autores

  • Michele Escoura Universidade Federal do Pará

DOI:

https://doi.org/10.26694/rer.v2i1.10478

Palavras-chave:

Etnografia, casamentos, conflito, relacionalidade

Resumo

Em 2015, quando esta pesquisa se iniciou, o mercado de festas de casamentos faturou R$ 17 bilhões no Brasil e, nesse cenário, é comum profissionais repetirem que o casamento é a "festa da noiva". Entretanto, a partir da análise de materiais de pesquisa de campo em São Paulo (SP) e Belém (PA) mostro, neste artigo, que a direção e o controle do casamento não são necessariamente privilégios femininos. Nesta pesquisa, meu objetivo central foi compreender a forma como relações são mobilizadas, forjadas e rompidas no processo de organização de festas de casamento. A despeito da ocasião se pretender um instante de celebração de novas alianças, na discussão coloco ênfase no caráter antagônico das relações. E olhando para aquilo que seria pressuposto como a antítese do momento de comunhão festiva, os confitos, evidencio o quanto fazer a festa, entretanto, era estar em estado de guerra. Textualmente, em um primeiro momento problematizo as dinâmicas entre noivas e noivos buscando desestabilizar convenções de gênero implicadas na composição de tais eventos. Nesse movimento, tensiono os limites da noção de “indivíduo” pressuposta pelas interações comerciais e abro a primeira camada de análise sobre o casamento enquanto um espaço-temporal de inevitável relacionalidade. Em seguida, mostro como há muitos outros personagens, além dos noivos, disputando poder de mando e seus lugares como donos da festa, numa dinâmica em que as hierarquias familiares são negociadas frente à hierarquia da própria celebração. E se as brigas pela denição do grupo antrião evidenciam que o casamento está longe de ser a “festa da noiva”, acompanhando especialmente a batalha em torno da lista de convidados e o manejo prático das relações de parentesco nela implicada, argumento como o casamento se estabelece como uma festa de família e que produz, pelos conitos, a própria família.

Referências

AQUINO, Carlos Roberto Filadelfo de. A luta está no sangue: família, política e movimentos de moradia em São Paulo. Tese (Doutorado em Antropologia Social) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2015.

BEAUVOIR, Simone. O segundo sexo (vol.1). Fatos e Mitos. São Paulo: Difusão Europeia do Livro, 1970 [1949].

CARSTEN, Janet. Cultures of relatedness. New approaches to the study of kinship. Cambridge: Cambridge University Press, 2000.

_____. “A matéria do parentesco”. In: R@u, v.6, n. 2, pp. 103-118, 2014a [2013].

_____. “An Interview with Marilyn Strathern: Kinship and Career”. In: Theory, Culture & Society, v. 31, n.2/3, pp. 263–281, 2014b.

COLLIER, Jane; YANAGISAKO, Sylvia. Gender and kinship. Essays toward a unified analysis. Stanford: Stanford University Press, 1987.

CORRÊA, Mariza. Morte em família: representações jurídicas e papéis sexuais. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1983.

ESCOURA, Michele. Fazer festa é uma guerra. Relações entre vestidos, noivas, anfitriões e convidados na organização de casamentos. TESE (Doutorado em Ciências Sociais) - Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP, 2019a.

_____. “Vestida de noiva. Diferenciação e prestígio em disputa no mercado de festas de casamento”. In: Cadernos Pagu, v.55, 2019b.

_____. “Formal attire from one side of the ‘bridge’ to the other: the wedding market and class and gender relations inscribed in the territory of the city”. In: Vibrant: Virtual Brazilian Anthropology, v.14, n.3, pp. 1-19, 2017.

_____. “Pessoas, indivíduos e ciborgues: conexões e alargamentos teórico-metodológicos no diálogo entre antropologia e feminismo”. In: Temáticas, v. 22, n. 44, pp. 113-140, 2014.

______. Girando entre princesas: performances e contornos de gênero em uma etnografia com crianças. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012.

FIRESTONE, Shulamith. A dialética do sexo: um estudo da revolução feminista. Rio de Janeiro: Editorial Labor do Brasil, 1976 [1970].

FONSECA, Claudia. “Apresentação Dossiê - De família, reprodução e parentesco: algumas considerações”. In: Cadernos Pagu, n. 29, pp. 9-35, 2007.

_____. “De afinidades a coalizões: uma reflexão sobre a ‘transpolinização’ entre gênero e parentesco em décadas recentes da antropologia”. In: Ilha, v.5, n.2, pp. 05-31, 2003.

_____. Família, fofoca e honra: etnografia de relações de gênero e violência em grupos populares. Porto Alegre: UFRGS Editora, 2000.

GOLDMAN, Emma. Anarchism and other essays. New York: Mother Earth Publishing Association, 1910.

KOLLONTAI, Alexandra. “Communism and the Family”. In Komunistka, n. 2, 1920.

MARINS, Cristina Teixeira. Quando o céu é o limite: um olhar antropológico sobre o universo dos casamentos e dos cerimonialistas. Niterói: Eduff, 2016.

_____. Entre palcos e flashes: reflexão etnográfica sobre trajetórias, construção de reputação e circuitos de consagração de fotógrafos de casamento. Tese (Doutorado em Antropologia) - Instituto de Ciências Humanas e Filosofia, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2018.

MARQUES, Ana Claudia. Intrigas e questões: vingança de família e tramas sociais no sertão de Pernambuco. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2002.

_____. “Apresentação”. In: MARQUES, A. C. (Org.). Conflito, política e relações pessoais. Campinas: Pontes Editores, 2007.

_____. “Cartografias da ordem e da violência. Entre a guerra ameríndia e as 'brigas de família' sertanejas”. In: Revista de Antropologia, v.54, n.2, pp. 647-675, 2011.

MARQUES, Ana Claudia; COMERFORD, John; CHAVES, Christine de Alencar. “Traições, intrigas, fofocas, vinganças: notas para uma abordagem etnográfica do conflito”. In: MARQUES, A. C. (Org.). Conflito, política e relações pessoais. Campinas: Pontes Editores, 2007.

MILLER, Daniel. A theory of shopping. Cambridge: Polity Press, 1998.

MILLET, Kate. “El amor há sido el opio de lãs mujeres”. In: Entrevista à Lidia Falcon, El Pais, 21 maio de 1984.

PALMEIRA, Moacir. “Política e tempo: nota exploratória”. In: PEIRANO, Mariza (Org.). O dito e o feito: ensaios de antropologia dos rituais. Rio de Janeiro: Relume Dumará; Núcleo de Antropologia da Política/UFRJ, 2002.

PINA-CABRAL, João. “De parentes, vizinhos e amigos”. In: Revista Temáticas, n.42, vol.2, 2013.

PINHO, Érika Bezerra de Menezes. “Um sonho não tem preço”: uma etnografia do mercado de casamentos no Brasil. Tese (Doutorado em Antropologia Social) - Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2017.

PISCITELLI, Adriana. “Nas fronteiras do natural: gênero e parentesco”. In: Revista Estudos Feministas, v. 6, n.2, pp. 305-323, 1998.

RUBIN, Gayle. “The traffic in women: notes toward a political economy of sex”. In: REITER, Rayna (Org.). Toward an anthropology of women. New York: Monthly Press, 1975.

SCHNEIDER, David. A critique of the study of kinship. Ann Arbor: University of Michigan Press, 1984.

STRATHERN, Marilyn. After Nature: English kinship in the late twentieth century. Cambridge: Cambridge University Press, 1992.

STRATHERN, Marilyn. “Necessidade de pais, necessidade de mães”. In: Revista de Estudos Feministas, v. 3, n. 2, pp. 303-329, 1995.

STRATHERN, Marilyn. O gênero da dádiva: problemas com as mulheres e problemas com a sociedade na Melanésia. Campinas: Editora da UNICAMP, 2006 [1988].

STRATHERN, Marilyn. “O conceito de sociedade está teoricamente obsoleto?” In: O efeito etnográfico e outros ensaios: Marilyn Strathern. São Paulo: Cosac Naify, 2014a [1990].

STRATHERN, Marilyn. “A relação: acerca da complexidade e da escala”. In: O efeito etnográfico e outros ensaios: Marilyn Strathern. São Paulo: Cosac Naify, 2014b [1994].

STRATHERN, Marilyn. “Revolvendo as raízes da antropologia: algumas reflexões sobre 'relações'”. In: Revista de Antropologia, v.59, n. 1, pp. 224-257, 2016.

Downloads

Publicado

2020-04-28

Como Citar

ESCOURA, Michele. Festa da noiva? Conflito, gênero e parentesco numa etnografia sobre a organização de casamentos. Revista EntreRios do Programa de Pós-Graduação em Antropologia, [S. l.], v. 2, n. 1, p. 56–72, 2020. DOI: 10.26694/rer.v2i1.10478. Disponível em: https://periodicos.ufpi.br/index.php/entrerios/article/view/5235. Acesso em: 27 jul. 2024.

Artigos Semelhantes

Você também pode iniciar uma pesquisa avançada por similaridade para este artigo.