BIODIESEL E A AGRICULTURA CAMPONESA: O DILEMA ENTRE O DESEJO DE “PLANTAR PRA COMER” E A OBRIGATORIEDADE DE “PLANTAR PRA VENDER” NO SUL DO PIAUÍ

Autores

  • Maria Elza Soares da Silva

DOI:

https://doi.org/10.26694/1517-6258.283

Palavras-chave:

BIODIESEL, AGRICULTURA CAMPONESA, PIAUÍ

Resumo

No Brasil, os agrocombustíveis tornaram-se alvo das políticas públicas por apresentarem possibilidades de minimizar os impactos negativos no meio ambiente, gerar renda para os agricultores familiares pobres e com pouca capacidade de inserção em mercados dominados pelo agronegócio (MDA, 2005). 

Nas últimas três décadas registra-se a presença de inúmeras políticas públicas rurais com foco na inclusão dos agricultores familiares no mercado (SILVA, 2017). Dentre essas, insere-se o Programa Nacional de Produção e Uso de Biodiesel (PNPB) que é uma política pública que busca a integração e o fortalecimento da agricultura familiar brasileira, tornando-a parte do processo produtivo do biodiesel. Para Abramovay (2013) o PNPB representa um mercado que começa a se formar a partir de uma intervenção governamental que estimula a participação de agricultores familiares em sua matriz produtiva com o uso de matérias-primas, até então, pouco empregadas.

O PNPB foi formulado com o intuito a: 1) Reduzir as importações de diesel e, portanto, gerar divisas para o País; 2) Implantar um programa sustentável, com inclusão social por meio da geração de emprego e renda para agricultura familiar; 3) Aumentar a competitividade e qualidade do suprimento; 4) Diversificar as matérias-primas, explorando as potencialidades regionais, para Produção do biodiesel (MDA, 2005)

Como parte da estratégia de inserção da agricultura familiar na cadeia produtiva do biodiesel, criou-se o instrumento legal -Selo Combustível Social - SCS - programa de isenção fiscal concedido pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário - MDA aos produtores de biodiesel que promoverem a inclusão social e o desenvolvimento regional por meio da geração de emprego e renda para os agricultores enquadrados nos critérios do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar - PRONAF (SILVA, et al, 2016). 

Do ponto de vista das políticas públicas voltada para a eficiência energética, uma das críticas que recaem sobre o programa é que não se mede consequências ecológicas e sociais de novos carburantes, sobretudo, com a expropriação das terras camponesas, comprometendo assim a manutenção de modos a manutenção de modos de vidas sustentáveis e a soberania alimentar. A “busca por novas energias acabou se transformando numa atividade muito rentável para investimentos do grande capital” (HOUTART, 2010, p.7).  Para o autor, “o cálculo econômico do sistema capitalista mira o curto prazo, silenciando assim o custo efetivo daquilo que é exterior à sua lógica, ou seja, os aspectos que provocam os efeitos colaterais desse sistema” (HOUTART, 2010, p.8). Em outras palavras, o uso de terras agricultáveis para fins de produção de energia verde no Brasil é marcado por controversos.  

 Não obstante, o discurso oficial da coexistência de uma produção capitalista associada à produção camponesa deu lugar à monopolizaçãodo território pelo capital, uma vez que a ação primeira do agronegócio não se deu na tentativa da parceria com o camponês (OLIVEIRA, 1995).  A relação é de subordinação, tanto as regras do mercado dos biocombustíveis, como pela dependência de exploração da mão de obra da família camponesa. 

Para a compreensão multidimensional do PNPB quanto à inclusão dos agricultores pobres no mercado de biodiesel, tomaremos como referência empírica a experiência do Núcleo de Produção Santa Clara- NPSC, situado geograficamente no Município de Canto do Buriti na região Sul do estado do Piauí. O NPSC foi instalado para a produção de matéria-prima utilizando-se da mão de obra das famílias camponesas assentadas na condição de parceiras rurais. Essa parceria contou com a intervenção do Governo do Piauí que doou 36 mil hectares de terras agricultáveis para a iniciativa privada assentar as 639 famílias que ao final dos dez anos de parceria receberiam a titularidade dos lotes do NPSC.

Assim, acreditamos que ao debater sobre as contradições de modelos de programas que objetivam o acesso dos agricultores familiares a mercados tão especializados quanto o do biodiesel, buscando assim, contribuir para uma reflexão crítica sobre políticas públicas que pretendem fomentar a inclusão produtiva de grupos socialmente fragilizados, aliando-os a grupos que monopolizam os mercados dos agrocombustíveis.  

 

Referências

ALMEIDA, A. Joaquim. Extensão Rural na Perspectiva Socioantropológica Ci. Flor. Santa Maria, V.2, n.1, p.133-139. Ano. 1992.

LIPSKY, Michael. Street-level bureaucracy: dilemmas of the individual in public service. New York: Russell Sage Foundation, 1980.

ABRAMOVAY, Ricardo. Estruturas sociais no semiárido e o mercado do biodiesel. Caderno CRH, Salvador, v.26, n. 68, p.347-362, Maio/Ago. 2013

OLIVEIRA, A.U. Modo capitalista de produção e agricultura. 4° ed. São Paulo: Ática, 1995.

BRASIL. Secretaria Especial de Agricultura Familiar e do Desenvolvimento Agrário - SEAD portaria nº 515, de 21 de agosto de 2018. Dispõe sobre os critérios e procedimentos relativos à concessão, manutenção e uso do Selo Combustível Social e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 22 de ago. 2018. p.2-5.

PLOEG, Jan Douwe van der. O modo de produção camponês revisitado. In: SCHNEIDER, Sérgio (Org.). A diversidade da agricultura familiar. Porto Alegre: UFRGS, 2006. p. 13-54.

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Publicado

2020-10-13