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  • CALL FOR PAPERS: FILOSOFAR NO SUL: PROBLEMÁTICAS POLÍTICAS, INSTITUCIONAIS E ÉTICAS

    2023-12-15

    Argumento

    Os universitários da atualidade são herdeiros de histórias complexas. Acontecimentos regionais e internacionais, muitas vezes tumultuosos e violentos, moldaram seus países, suas instituições e sua consciência de si. Isso teve um impacto significativo sobre a forma pela qual as práticas universitárias do ensino e da pesquisa são conduzidas hoje em dia, exercendo um efeito ambíguo de favorecimento e de restrição sobre o trabalho de todos os acadêmicos.

    Tudo isso é visível de modo bastante particular nos países não ocidentais, sobre os quais se concentrará a presente edição especial proposta pela Revista Pensando. De modo específico, pretende-se explorar as dificuldades e o potencial da filosofia enquanto elemento da vida acadêmica e social nesses países.

    A criatividade das pessoas curiosas certamente desempenha um papel importante na história das ciências, no entanto, estudos recentes cada vez mais têm enfatizado o papel que a colonização, a conquista e o capitalismo predatório desempenham na formação das universidades e na vida acadêmica nos nossos países (CASTRO-GOMES, 2008). A própria prática científica – seu ensino e sua pesquisa – foi corroída internamente, pela visão de que certos povos seriam inferiores e irrelevantes para a história. Além disso, suas terras e seus recursos foram constantemente tomados como se estivessem à disposição dos interesses de alguns poucos poderosos estrangeiros (CÉSAIRE, 1955; MIGNOLO e WALSCH, 2018). Consequentemente, as populações originárias e, em certos casos, os descendentes de povos escravizados foram considerados como meros objetos de pesquisa, sendo que sua capacidade genuína de produzir conhecimento foi ignorada. Se é verdade que as universidades desempenharam um papel sem sombra de dúvida muito importante na forma moderna dos países do “Sul”, é preciso dizer que a “modernidade” representa aqui uma herança bastante ambígua, por conta dessa bagagem corrosiva.

    Nessa perspectiva, aurora da independência trazia a promessa de uma reforma total das ciências: pensar a partir do reconhecimento da verdadeira humanidade de cada povo, respeitar as diferenças culturais e linguísticas, alinhar a pesquisa com o ensino em prol dos interesses reais das populações locais... Mas o que foi feito dessas promessas? No que diz respeito especificamente à filosofia, podemos de fato notar o surgimento de universitários eruditos que são analistas conscientes dos assuntos de sua localidade (e isto tem sido estudado já há algum tempo, como podemos ver em MENDIETA, 2003 e WIREDU, 2004). Mas estes casos pouco frequentes estão ainda longe de corresponder ao conjunto da realidade. Em vez disso, o que é mais visível é o efeito onipresente da “filiação epistemológica” às filosofias ocidentais (MUDIMBE, 1988, ou, no caso do Brasil, cf. ARANTES, 1994), ora mais orientadas para a Europa, ora para o mundo universitário anglo-americano. Com muita frequência, tem-se a impressão de que as nossas instituições acabam por subvalorizar os autores, os modos de pensamento e as preocupações que são locais e originárias. Em inúmeros países, este fenômeno é acentuado por uma contínua sub-representação ou mesmo ausência, entre os membros da comunidade universitária, dos povos autóctones, das populações negras e de certas minorias.

    Os editores dessa edição especial da Revista Pensando consideram que esta subvalorização é, evidentemente, indesejável, porém suscetível a mudanças para melhor. Nós convidamos nossos colegas a refletir conosco sobre esta situação, bem como sobre as maneiras de remediá-la. Uma tal reflexão está comprometida com o aprimoramento das nossas práticas em relação ao seu contexto social, além de também estimular o intercâmbio entre filósofos que trabalham sobre problemas similares no mundo todo; além disso, tal reflexão pode contribuir para aumentar a circulação planetária da filosofia feita a partir da localidade em que cada um de nós se encontra.

    Embora motivados por esta visão, nós compreendemos a complexidade do problema. Como desfazer a história corrosiva, sem ressentimentos em relação aos métodos científicos e, ao mesmo tempo, preservando uma parte do patrimônio, por exemplo, a instituição da Universidade? Mesmo criticando a fabricação de estereótipos e o chauvinismo ocidental transmitidos pela filosofia, como é que se pode evitar a depreciação dos nossos próprios antecessores que assimilaram esta tradição e tentaram redirecioná-la para as causas que aqui perseguimos? Como defender o lugar do que é originário e local na filosofia, sem, no entanto, inadvertidamente adotar uma visão essencialista e folclórica das sociedades contemporâneas? Por outro lado, como praticar a filosofia do povo e para o povo, tal como nos conhecemos a nós próprios e aos nossos contemporâneos, sem aceitar com fatalismo as forças injustas que moldaram – e continuam moldando – nossos mundos de vida? Como a filosofia pode ajudar a desenvolver uma memória social crítica e uma compreensão de si (MARQUES, 2023), sendo que ela própria aumenta a capacidade e a dignidade das sociedades já deformadas?

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